Uma descoberta inédita pode revolucionar a busca pela cura do HIV. Um grupo internacional de pesquisadores desenvolveu uma nova tecnologia de nanopartículas lipídicas capazes de entregar RNA mensageiro (mRNA) diretamente às células CD4+ T, onde o vírus costuma permanecer oculto em estado de latência — o maior obstáculo para sua cura.
O estudo, publicado na revista científica Nature Communications, apresenta a formulação chamada LNP X, que demonstrou uma eficiência inédita na entrega de mRNA a células T em estado de repouso, algo que até então era considerado extremamente difícil pela ciência.
Como funciona a tecnologia?
Quando uma pessoa é infectada pelo HIV, o vírus insere seu material genético no DNA das células de defesa, especialmente os linfócitos T CD4+. Mesmo com o uso dos antirretrovirais, que impedem a replicação do vírus e controlam a doença, o HIV permanece escondido em algumas células, sem se replicar e sem ser detectado pelo sistema imunológico. Esse estado é chamado de latência viral.
A inovação desenvolvida consiste em nanopartículas capazes de transportar mRNA programado para produzir a proteína Tat, essencial para ativar a replicação do vírus. Uma vez ativado, o HIV deixa de estar escondido e pode ser identificado e destruído pelo sistema imune — um passo considerado fundamental no caminho para a erradicação do vírus.
Além disso, os pesquisadores também testaram a entrega de componentes do sistema CRISPR de ativação genética, que permite estimular diretamente o DNA do próprio HIV dentro das células, ativando sua transcrição.
Por que isso é revolucionário?
Até agora, todos os métodos disponíveis para tentar acordar o HIV latente tinham limitações importantes: baixa eficiência, toxicidade celular ou ativação generalizada do sistema imune, o que poderia trazer riscos aos pacientes.
O grande diferencial da nanopartícula LNP X é que ela consegue:
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Entregar o mRNA diretamente às células T em repouso (as mais difíceis de serem transfectadas);
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Ativar o HIV latente sem causar toxicidade significativa;
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Não provoca ativação generalizada das células — um problema comum nos tratamentos anteriores.
Nos testes realizados com células de pacientes vivendo com HIV e em supressão viral, a nanopartícula induziu um aumento de até 112 vezes na expressão dos genes virais latentes, algo sem precedentes.
O que foi testado até agora?
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Entrega bem-sucedida do mRNA da proteína Tat, responsável por promover a transcrição viral;
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Ativação do HIV latente em células CD4+ de pacientes em tratamento;
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Entrega de sistemas baseados em CRISPR, capazes de ativar especificamente regiões do DNA do HIV, sem afetar os genes do hospedeiro;
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Aumento na produção de RNA viral e de partículas virais após o tratamento, confirmando a saída da latência.
Porém, o estudo também identificou que, embora o vírus seja acordado, isso não foi suficiente, sozinho, para eliminar completamente os reservatórios do HIV, o que indica que essa estratégia precisará ser combinada com outros métodos, como terapias que promovam a destruição das células infectadas.
Próximos passos
Os resultados foram obtidos em laboratório, com amostras de células de pacientes, e os pesquisadores agora devem avançar para testes em animais, antes de considerar os primeiros estudos em humanos.
As etapas futuras incluem:
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Avaliação da segurança e eficácia em organismos vivos;
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Estudo da biodistribuição das nanopartículas no corpo;
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Desenvolvimento de métodos para direcionar ainda mais as nanopartículas às células infectadas;
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Combinação com terapias que promovam a morte seletiva das células que abrigam o HIV.
Por que isso importa?
Atualmente, mais de 40 milhões de pessoas vivem com HIV no mundo. Apesar de os tratamentos antirretrovirais permitirem uma vida longa e saudável, a cura definitiva ainda não existe porque o vírus permanece escondido no corpo, pronto para retornar se o tratamento for interrompido.
Esse avanço traz uma nova abordagem no combate ao HIV, usando a engenharia genética e a nanotecnologia para, pela primeira vez, acessar o maior esconderijo do vírus: as células T em latência.
O que dizem os cientistas?
“A entrega eficiente de mRNA para células T em repouso era, até agora, uma barreira quase intransponível. Nossa nanopartícula LNP X supera essa barreira de maneira inédita”, afirma a pesquisadora Paula M. Cevaal, autora principal do estudo.
Os pesquisadores reforçam que essa técnica abre portas não só para a cura do HIV, mas também para o desenvolvimento de terapias genéticas voltadas a outras doenças que afetam células T, como câncer e outras infecções virais.
O desenvolvimento das nanopartículas LNP X representa um dos maiores avanços científicos dos últimos anos no campo da pesquisa sobre HIV. Ainda há desafios importantes antes que isso se torne um tratamento aplicável, mas a tecnologia representa uma nova esperança, não apenas para o controle, mas para a tão buscada cura do HIV.