O risco de uma nova pandemia global está mais próximo do que imaginamos. Não se trata mais de uma questão de “se” acontecerá, mas de “quando”. A ameaça é clara, e ela vem de um velho conhecido dos cientistas: o vírus da gripe aviária H5N1, que já está circulando entre várias espécies de animais em diferentes partes do mundo.
Até agora, o H5N1 infectou 888 pessoas ao redor do globo, e o dado alarmante é a sua taxa de letalidade: 53% dos infectados não sobreviveram. Isso significa que, dos 888 casos registrados, 463 resultaram em morte. A maioria das vítimas eram trabalhadores em contato direto com aves, mas o espectro da infecção está se ampliando rapidamente.
Espalhamento Entre Espécies e o Crescimento da Ameaça
O pesquisador José Eduardo Levi, do Instituto de Medicina Tropical da USP, alerta que o H5N1 tem mostrado uma capacidade rara de infectar diferentes espécies animais nos últimos anos, o que é incomum na virologia. Recentemente, vacas, gatos e até leões-marinhos têm sido encontrados com o vírus, sugerindo uma adaptação perigosa. “Vacas, por exemplo, nunca haviam sido infectadas por esse vírus até agora. Isso é extremamente preocupante”, afirma Levi.
Aves migratórias, como gansos, são os hospedeiros naturais do H5N1 e são capazes de transportar o vírus por longas distâncias, viajando de continente em continente. Desde que foi detectado pela primeira vez na China, em 1996, o H5N1 tem se espalhado por várias partes da Ásia, Europa, América e África, atingindo mais espécies do que nunca.
O Medo da Transmissão Humana
O grande temor entre os especialistas é a chamada “humanização” do vírus, ou seja, a sua capacidade de se adaptar ao ponto de ser transmitido de pessoa para pessoa. Até agora, o H5N1 não atingiu essa fase, mas a adaptação para infectar diferentes espécies aumenta as chances de uma troca genética significativa. Levi explica que o influenza tem um genoma segmentado, o que facilita uma mutação repentina capaz de alterar profundamente o comportamento do vírus.
Esse tipo de mutação, se acontecer, poderia levar a uma nova pandemia global. “Cada vez que o H5N1 infecta uma nova espécie, ele pode se recombinar com outros vírus da gripe, criando uma nova cepa potencialmente transmissível entre humanos”, explica Levi.
Casos Alarmantes em Diversas Regiões
Nos últimos anos, o H5N1 tem causado mortes em diferentes espécies de animais ao redor do mundo. No Peru, por exemplo, mais de 13 mil aves morreram em 2022, devastando a população de pelicanos. Na Polônia, dezenas de gatos domésticos foram infectados e mortos. Nos Estados Unidos, vacas foram infectadas, e o vírus provocou mastite — inflamação nas glândulas mamárias — em vez de problemas respiratórios. E no Brasil, a morte de leões-marinhos no litoral de Santa Catarina foi atribuída ao vírus da gripe aviária.
Esses eventos demonstram o avanço preocupante do H5N1 para novas fronteiras. A infecção de mamíferos, como os leões-marinhos e gatos, é particularmente alarmante, pois sugere que o vírus está se adaptando melhor aos mamíferos, incluindo os humanos.
Prevenção e Medidas Urgentes
Governos em várias partes do mundo, incluindo os estados brasileiros de São Paulo e Rio de Janeiro, já possuem planos de contingência para lidar com uma possível epidemia de gripe aviária. No entanto, José Eduardo Levi aponta que as vacinas atuais contra a gripe oferecem pouca proteção contra o H5N1. Mesmo assim, ele recomenda que as pessoas mantenham sua vacinação em dia, pois qualquer defesa pode ser útil.
Ele também defende a necessidade urgente de começar a desenvolver vacinas específicas contra o H5N1, além de aumentar os estoques de medicamentos antivirais que podem ser utilizados para controlar surtos emergentes. “Precisamos de ações rápidas para garantir que as vacinas e os remédios estejam disponíveis quando mais precisarmos”, alerta o especialista.
Um Olhar Global para Evitar a Próxima Pandemia
O conceito de “uma só saúde” (“one health”) está ganhando destaque nesse cenário. Ele envolve não apenas a saúde humana, mas também a vigilância sobre os animais e o meio ambiente. Sem uma abordagem integrada e global, a próxima pandemia pode ser impossível de evitar.
Enquanto os cientistas continuam monitorando a situação, Levi reforça que devemos estar preparados para um possível surto global. A única maneira de conter uma nova pandemia é através da cooperação entre governos, especialistas em saúde e a sociedade em geral, sempre atentos aos sinais de alerta e às medidas preventivas que podem salvar vidas.