O conflito militar entre Israel e Irã, que nas últimas semanas ganhou proporções alarmantes com trocas de bombardeios e ataques a instalações nucleares, reacendeu um dos maiores temores da humanidade: o risco de uma guerra nuclear.
A escalada entre os dois países fez surgir uma pergunta que rapidamente se espalhou pelas redes sociais, rodas de conversa e até fóruns diplomáticos: “Se Israel e Irã detonarem bombas nucleares, o Brasil seria atingido?”
A resposta direta, segundo físicos nucleares, especialistas em relações internacionais e analistas de segurança, é não em termos de impacto físico direto, mas sim no que diz respeito às consequências indiretas e globais, que seriam inevitáveis.
O Brasil seria atingido fisicamente?
A primeira e mais objetiva resposta é: não.
O Brasil está a mais de 10 mil quilômetros de distância do Oriente Médio. Tecnicamente, nenhuma ogiva nuclear existente atualmente, nem mesmo as mais potentes do planeta, possui alcance físico para causar danos diretos — seja por explosão, onda de choque, radiação ou precipitação radioativa — sobre o território brasileiro.
Uma bomba nuclear, mesmo das mais poderosas, tem seu efeito destrutivo localizado. A explosão gera uma bola de fogo, onda de choque, calor extremo e radiação intensa, mas tudo isso se limita a um raio que pode variar de alguns quilômetros até algumas centenas, dependendo do tipo de armamento, da altitude e das condições meteorológicas.
Para efeito de comparação, a bomba nuclear lançada sobre Hiroshima tinha cerca de 15 quilotons e devastou um raio de aproximadamente 1,6 km. Hoje, ogivas como a W-76, que acredita-se estar no arsenal israelense, possuem potência de cerca de 100 quilotons, sete vezes mais destrutiva do que Hiroshima, capaz de gerar destruição total em um raio de até 4 km, impactos estruturais severos em até 9 km e queimaduras de terceiro grau até cerca de 4,5 km do ponto de impacto.
Mesmo a maior bomba já construída na história, a soviética Tsar Bomba, com potência de 50 megatons (mais de 3 mil vezes Hiroshima), teve uma onda de choque que alcançou cerca de 55 km e uma nuvem de cogumelo que subiu a mais de 60 km de altura. Ainda assim, seus efeitos foram locais.
Portanto, o território brasileiro não seria atingido diretamente por nenhuma explosão nuclear envolvendo Israel e Irã.
E a radiação? Chegaria ao Brasil?
Este é um dos temores mais comuns e, embora possível em condições extremas, a chance é considerada muito baixa.
A precipitação radioativa, que ocorre quando partículas nucleares são lançadas na atmosfera, pode ser transportada por ventos de alta altitude e viajar por longas distâncias. Contudo, essa radiação se dissipa gradualmente ao longo do trajeto, e sua capacidade de causar danos severos diminui exponencialmente com o tempo e a distância.
Na prática, para que partículas radioativas atinjam o Brasil, seriam necessárias várias detonações em sequência, com explosões na alta atmosfera, associadas a padrões climáticos específicos — como correntes de jato muito fortes no Hemisfério Norte com conexão direta para o Sul, o que não é comum.
Cientistas afirmam que o risco ambiental direto sobre o Brasil seria extremamente baixo, embora não possa ser descartado por completo em um cenário de guerra nuclear prolongada e de larga escala.
Se não fisicamente, o Brasil seria afetado de outras formas?
Sim. E de maneira profunda.
Ainda que o Brasil não estivesse na zona de impacto físico, os efeitos indiretos de uma guerra nuclear no Oriente Médio seriam inevitáveis e de grandes proporções, especialmente nas seguintes áreas:
Impacto econômico e energético
A região do Oriente Médio é estratégica para o comércio global, principalmente no setor de energia. O Irã controla o Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 30% de todo o petróleo exportado no mundo. Israel, por sua vez, está próximo ao Canal de Suez, uma das rotas comerciais mais importantes do planeta.
O fechamento dessas rotas ou a destruição de infraestruturas energéticas faria os preços do petróleo e do gás natural dispararem no mundo inteiro. Isso impactaria diretamente o Brasil, tanto pelo aumento dos custos de transporte e energia quanto pelo encarecimento de produtos derivados.
Inflação global e recessão econômica
A instabilidade internacional geraria uma recessão global. O comércio internacional seria severamente impactado, e o Brasil, como país altamente exportador de commodities — especialmente alimentos e minérios —, perderia mercados consumidores e enfrentaria rupturas nas cadeias de suprimento.
Alimentação e logística
O aumento do preço do petróleo impactaria o custo de transporte de mercadorias no Brasil e no mundo. Alimentos, combustíveis e insumos ficariam mais caros, o que provocaria uma inflação global, afetando diretamente o bolso dos brasileiros.
Impacto ambiental global
Se a guerra nuclear se prolongasse, o planeta poderia enfrentar o chamado inverno nuclear, fenômeno no qual partículas lançadas na atmosfera bloqueiam a luz solar, resfriando o planeta, prejudicando safras agrícolas, afetando ecossistemas e provocando escassez de alimentos em escala global. Este cenário, embora extremo, é possível em guerras nucleares de larga escala.
Riscos diplomáticos e geopolíticos
O envolvimento de potências como Estados Unidos, Rússia e China, que têm laços diretos ou indiretos com os dois lados do conflito, aumentaria o risco de uma guerra mundial. Caso isso ocorresse, as alianças internacionais mudariam rapidamente, afetando acordos comerciais, tratados de paz, segurança internacional e até a soberania de países que, como o Brasil, tentam se manter neutros.
O que dizem os especialistas?
De acordo com o professor de Relações Internacionais Vladimir Feijó, da UniArnaldo, o risco maior para o Brasil não está na radiação nem nas bombas, mas no colapso econômico e logístico global. “O Oriente Médio é crucial para o comércio internacional. Um conflito nuclear ali paralisaria rotas, elevaria custos e quebraria cadeias produtivas que o Brasil depende”, afirma.
A professora de Direito Internacional Carolina Montolli reforça que, além dos impactos econômicos, há o risco de desestabilização diplomática e até de surgimento de novos conflitos em outras regiões. “Um conflito nuclear regional pode gerar um efeito dominó, levando a uma crise internacional que compromete a segurança e a economia global. Nenhum país, nem mesmo o Brasil, fica ileso a esse tipo de cenário”, explica.